Já é Setembro e ao olharmos para nosso cotidiano percebemos que a pandemia veio acompanhada de inúmeras angustias como lidar com inseguranças pessoais e profissionais, medo do contágio do vírus, do adoecimento, incertezas significativas em se manter empregado e também aumento das pressões emocionais, o que intensifica a necessidade de se discutir sobre saúde mental.

E a saúde mental de muitos de nós ficou abalada neste período de isolamento social, uma vez que neste momento manteve-se restrito o contato com o outro, o amparo e o acolhimento, por vezes tão necessário para não sucumbirmos neste contexto, principalmente quando já nos encontramos fragilizados.

Este debate, sobre o mental, fica ainda mais valorizado neste mês, que traz à tona a reflexão e o olhar cuidadoso para um assunto delicado e cada vez mais preocupante, sutil nos seus sinais mais afrontoso nas suas aflições, dores e consequências: O SUICÍDIO.

Etimologicamente, suicídio deriva de sui (de si) e caedere (matar), e designa a morte de si (ou do) próprio. O suicídio não cabe nas malhas apertadas do saber psiquiátrico, quer na sua vertente psicológica, quer na biológica. O seu estudo envolve e implica múltiplos aspectos – a nível individual, familiar, social ou ideológico – de modo a que seja alcançada uma visão ampla, e não meramente parcelar, da realidade (OLIVEIRA, A; AMÂNCIO, L e SAMPAIO, D, 2001).

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo, comemorando oficialmente no dia 10 deste referido mês, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo (SETEMBRO…, 2019).

O Setembro Amarelo nos coloca em contato com o outro, com a valorização da vida e com o respeito às dores do outro, ao exercício da empatia e da solidariedade. Doar ao outro nosso cuidado, tempo e atenção é respeitar suas fragilidades, angústias e reconhecer a importância de tudo aquilo que está vivenciando.

Ainda que o suicídio entre jovens simbolize uma problemática cada vez mais presente, a atenção à saúde mental é a alternativa mais adequada para conter essa prática. E por mais que se explorem respostas para compreender as razões que alimentam o alto índice de suicídio, não existe um denominador comum entre os casos concretizados. Todavia, grande parte desses atos tem de alguma forma, relação clara com os desajustes mentais, sendo os mais comuns: a depressão, a esquizofrenia e os transtornos psicóticos. Ainda, o abuso de drogas e o alcoolismo também representam uma parcela considerável de influência na ideação suicida (O AUMENTO …, 2020)

Dados da OMS afirmam que o suicídio já ocupa o 2º lugar como causa de óbitos entre os jovens na faixa etária de 15 a 24 anos. Contudo, esta decisão é gradativa e ficar atento aos sinais suspeitos dessa prática pode recuperar a saúde mental e salvar vidas. Por isso, um dos aspectos mais favoráveis ao controle do suicídio é observar as mudanças de comportamento do jovem e oferecer ajuda o mais rápido possível. (O AUMENTO …, 2020)

Muitas vezes, por ter falta de sensibilidade, de cuidado e atenção, a pessoa morre por dentro e ninguém percebe. Quando nos damos conta, ele (a) sorriu, baixou a cabeça e sussurrou “Já não aguento mais”. E coloca-se um ponto final na dor que tanto lhe angustiava.

Não é possível ficar-se indiferente face à vontade de um jovem em morrer por iniciativa própria. A atitude ou gesto suicida veicula um intolerável tormento interior. E é sempre um meio de comunicar – após eventuais tentativas antes incompreendidas, ignoradas ou mal-entendidas – por parte de quem sente um profundo desespero e não vislumbra objetivos concretizáveis nem uma alternativa válida pela vida (OLIVEIRA, A; AMÂNCIO, L e SAMPAIO, D, 2001).

As relações rasas, superficiais e sem envolvimento intensificam o profundo desespero vivenciado por aqueles que se encontram com a saúde mental desorganizada, e seus sinais evidentes ou não, passam incompreendidos e imperceptíveis pelos demais levando a um caminho cada vez mais confuso, delicado e perigoso.

O suicídio é um problema imemorial, multifário, complexo e desafiador. Devido ao sofrimento individual, familiar e coletivo, aliado as perdas pessoais, materiais e econômicas que causa, ele tornou-se um grave problema da saúde pública. Por estar desorganizado emocional e mentalmente, lidar com perdas e momentos de crise pode ser, por vezes, deveras angustiante e sentimentos como “Não consigo lidar com tudo isso”, “Não sei o que fazer”, “Não aguento mais esta dor” podem estar cada vez mais presentes. (BERTOLOTE, J.M; 2017).

Combinando a solidariedade com a empatia podemos ter estratégias significativas neste conflito, pois estaremos a serviço do outro, olhando para ele com cuidado sem criticar. Muitas vezes julgamos as angustias e dores dos outros, menosprezando o que sentem, desvalorizando a intensidade de sua agonia e desmerecendo seu sofrimento. O que é do outro deve ser respeitado, de acordo com a sua história, e não com os nossos olhos, a dor do outro é do outro e nós nunca sabemos o que cada pessoa enfrenta. Um abraço aconchegante, um acolhimento sincero, um fale comigo sobre aquilo que lhe dói, e o estender a mão na busca de caminhos saudáveis, combinada com aquilo que lhe fizer bem, não dispensando o amor como matéria prima deste processo, fará diferença nesta ação e mostrará ao outro o quanto a vida dele é considerável e merece ser valorizada. E nos casos, que por questões internas e particulares, não for possível oferecer este apoio, tudo bem também, mas que possamos indicar caminhos adequados nos tratamentos das ansiedades e feridas, como por exemplo, a indicação de uma ajuda profissional e/ou terapias afins. O importante é não deixar de perceber que algo precisa ser feito.

Carlos Correia, voluntário do CVV comenta que os 32 suicídios que ocorrem diariamente no país, sendo a média de 1 morte a cada 45 minutos, é algo que pode ser reduzido. “Perceber que a pressão interna está muito elevada, que o copo está para transbordar e, nesse momento, ou antes, disso, pedir e aceitar ajuda é muito eficiente. Conversar com alguém, seja conhecido ou desconhecido, de forma acolhedora e sem críticas já ajudaria essa pessoa a superar aquele momento” (SETEMBRO…, 2020).

O CVV, Centro de Valorização da Vida, foi fundado em São Paulo, em 1962 e atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Os voluntários oferecem apoio pelo telefone 188, e também por chat, e-mail e pessoalmente. Nestes canais, são realizados mais de 2 milhões de atendimentos anuais, por aproximadamente 3.400 voluntários, localizados em 24 estados mais o Distrito Federal. Em pesquisa no site, foi possível inclusive, identificar um posto de atendimento na cidade de Araraquara. Para aqueles que precisarem fazer uso ou indicar o serviço a alguém que necessite, encontrarão maiores informações no site oficial (CVV, 2020).

Como dizia a Madre Teresa de Calcutá “sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor”. Sendo a solidariedade o amor em movimento, ela deveria ser estratégia fundamental na valorização da vida do outro, e com isso contribuir para a diminuição dos números tão assustadores de suicídio. Estamos por vezes tão envoltos em nossos compromissos, em nossa vida narcísica e egoísta, que não percebemos quando um amigo, um parente, um filho (a), um irmão (a), quando aquele colega de sala, de trabalho ou balada apresenta sinais de que algo não está bem e que precisa ser ouvido, olhado e respeitado. Por vezes não percebemos que por trás daquele sorriso esconde-se uma dor, que por entre aquelas expressões extrovertidas há uma pessoa que está angustiada e solitária, que por trás de comportamentos agressivos escondem-se pensamentos persecutórios e dúvidas cruéis, bem como sentimentos de baixa estima, desvalorização, medos e ideias suicidas.

A partir do momento que conseguimos ser ponto de apoio e de acolhimento para aquele que precisa, podemos juntos pensar em caminhos viáveis para o seu tratamento, o importante é começar a enxergar o problema, ter olhos sensíveis para a lágrima que o outro não deixou ser vista, para o sorriso que não foi dado ou pra a dor escondida atrás daquela “alegria aparente”, é perceber a tristeza no coração, a dúvida que atormenta, o medo que impede de se expor, é olhar para o outro como gostaria que o outro nos olhasse, e perceber a fragilidade do outro escondida numa explosão de sentimentos, é olhar para aquele que convive conosco e ter o feeling para dizer, “Tem algo errado”, “O que será que está acontecendo”, “Será que ele realmente está bem” e se colocar à disposição “Estou aqui”, “Eu me importo contigo”, “Sua vida é importante pra mim”, “Deixa eu te ajudar”.

É muito difícil entendermos os inúmeros fatores – internos e externos – e os contextos – familiares, culturais, psicossociais – que podem conduzir uma pessoa ao suicídio. Alertam-nos para a necessidade de compreender, de aproximar e, acima de tudo, de partilhar afeto. A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana. E quando alinhamos nossas ações com o afeto, tudo se torna tão natural e mais sensível aos olhos e ao coração (OLIVEIRA, A; AMÂNCIO, L e SAMPAIO, D, 2001).

Que iniciemos este Setembro Amarelo, dando ao outro não o que nos sobra mais sim o lhe falta, um novo olhar para a sua dor, uma visão de mundo mais colorida, um caminho mais saudável, uma demonstração verdadeira e genuína de afeto, uma nova oportunidade de olhar para si e para a sua volta. Que a dor dê lugar a satisfação, que o egoísmo e a indiferença sejam substituídos pela solidariedade e pela empatia, que nos motivemos a sermos pessoas melhores e fermento bom no cotidiano do nosso amigo, familiar e da nossa comunidade, e fazer a nossa parte na busca da minimização nestes números tão significativos que acompanham esse assombroso mal, o suicídio. Pense nisso!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA, A; AMÂNCIO, L e SAMPAIO, D. Arriscar morrer para sobreviver Olhar sobre o suicídio adolescente. 2001. Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v19n4/v19n4a03.pdf> Acesso em Set/2020.

BERTOLOTE, J.M. O suicídio e sua prevenção (recurso eletrônico).  1. Ed, São Paulo: Editora UNESP Digital, 2017. Disponível em <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=lang_pt&id=KqbwDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT50&dq=bertolote+jos%C3%A9+manuel+o+suicidio+e+sua+preven%C3%A7%C3%A3o&ots=gJ2YK6OjKl&sig=dy0TJ1rCAJK9ZKLafGWyGbA64aU#v=onepage&q=bertolote%20jos%C3%A9%20manuel%20o%20suicidio%20e%20sua%20preven%C3%A7%C3%A3o&f=false> Acesso em Set/2020.

O AUMENTO alarmante no índice de suicídio entre jovens. Hospital Santa Mônica, 2020. Disponível em <https://hospitalsantamonica.com.br/o-aumento-alarmante-no-indice-de-suicidio-entre-jovens/>. Acesso em Set/2020.

SETEMBRO Amarelo, mês de prevenção do suicídio. CVV – Centro de Valorização da Vida, 2020. Disponível em <https://www.cvv.org.br/blog/setembro-amarelo-mes-de-prevencao-do-suicidio/>. Acesso em Setembro/2020.

CVV – Centro de Valorização da Vida, 2020. Página inicial. Disponível em < https://www.cvv.org.br/o-cvv/> Acesso em Set/2020.

SETEMBRO Amarelo. Setembro Amarelo, 2019. Disponível em <https://www.setembroamarelo.org.br/> Acesso em Se/2020.

A CAMPANHA Setembro Amarelo® salva vidas!. Setembro Amarelo. 2020. Disponível em <https://www.setembroamarelo.com> Acesso em Set/2020.

 

Maria Cláudia Moreira

Ministra aulas de Recursos Humanos, Diversidade Cultural Brasileira, Direitos Humanos e Segurança Pública.