Nilma Dominique criou o programa de língua portuguesa da universidade reconhecida por ser a melhor do mundo. Ela relata que o interesse dos estrangeiros em aprender o idioma caiu nos últimos anos. Nilma Dominique é professora no MIT
Arquivo pessoal
Há doze anos, Nilma Dominique — baiana, negra e imigrante nos Estados Unidos — criou o programa de língua portuguesa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, eleita a melhor universidade do mundo pelo ranking QS World University 2022).
Era uma demanda da própria instituição, que notava um crescimento no número de interessados pelo idioma. “Em 2010, o português estava bombando”, diz a professora.
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“Os alunos tinham vontade de estabelecer uma relação mais profissional com o Brasil, para fazer pesquisa no país”, conta. “Claro, existiam também aqueles que, por questões afetivas, queriam se corresponder com familiares brasileiros. Mas a maioria procurava as aulas por uma questão de trabalho. Esse era o nosso público-alvo.”
Nilma, à época, lecionava na Universidade Harvard, quando foi convidada pelo MIT para desenhar a estrutura e o conteúdo do módulo de língua portuguesa do instituto. Foram dois anos de testes, até a implementação oficial.
“Estavam procurando gente para ensinar e montar programas nas universidades. O Brasil era interessante para muitos. Dói ver que isso acabou.”
“Acabou” porque, segundo a professora, atualmente faltam alunos dispostos a aprender o idioma.
“Quando abrimos o curso, havia lista de espera, de tantos que tinham interesse profissional em ir ao Brasil. Hoje, é difícil atingir o número máximo de 18 estudantes”, conta.
“É uma preocupação constante não só do MIT, mas da grande maioria das instituições com cursos de português. Vivemos altos e baixos”, afirma.
Para ela, “isso está ligado à política econômica brasileira”.
“É bem menos gente querendo fazer pesquisa no Brasil na situação atual.”
Ao fazer referência a essa “derrocada”, Nilma reflete também sobre sua própria trajetória.
“Estudei durante a vida toda em escola pública (até o início dos anos 1990) e consegui fazer um doutorado na Espanha. Fico me perguntando se eu teria possibilidade, hoje em dia, de passar em um vestibular e ainda conseguir uma bolsa no exterior”.
Nascida em Salvador, a docente concluiu o ensino médio na rede pública na cidade vizinha de Camaçari (BA). Estudou letras na Universidade Federal da Bahia (1997) e, por meio de um programa de parceria entre o Brasil e a Espanha, conquistou uma bolsa para o doutorado em linguística aplicada na Universidade de Alcalá, em Madrid.
“Se eu tivesse ficado no Brasil, teria sido muito difícil me especializar, porque o processo seletivo é extremamente afunilado, e não dá para se dedicar exclusivamente aos estudos. Você precisa continuar no mercado de trabalho”, diz Nilma.
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Prêmio Martin Luther King
Além de ter criado o programa de língua portuguesa e de dar aulas, Nilma também organiza encontros entre quem se interessa pela cultura de países lusófonos.
“É uma forma de manter uma comunidade e de formar uma pequena família. São almoços e papos entre asiáticos, latinos, negros e imigrantes que se sentem invisíveis aqui”, conta.
Professora Nilma Dominique recebeu o prêmio Martin Luther King
Arquivo pessoal
Exatamente por essas iniciativas de “amor, igualdade, serviço e altruísmo”, como definiu o MIT, Nilma ganhou, no início de fevereiro, o prêmio Martin Luther King do instituto – uma referência ao ativista norte-americano que lutou contra a discriminação racial.
“Foi uma surpresa tremenda e uma honra receber um prêmio com o nome de alguém que se dedicou à defesa dos direitos civis e pagou por isso com a própria vida”, conta. “Sinto que tantos colegas que trabalham comigo mereceriam esse reconhecimento também.”
Parafraseando Luther King, Nilma conta qual o seu desejo.
“Eu tenho um sonho: que as pessoas não precisem sair do próprio país para conseguirem chegar aonde querem.”
Mulher, negra e imigrante
Nilma relata que, quando saiu do Brasil, não se via como “minoria racial, só como minoria social”. Mas a situação mudou depois que passou a morar no exterior.
“Quando você chega aos Estados Unidos, torna-se uma minoria racial também. Em geral, nos departamentos do MIT, sou a única negra”, afirma.
O que lhe dá o direito a ser respeitada, conta (e lamenta), é o diploma.
“É um privilégio. Quando a pessoa descobre que tenho um PhD [doutorado], muda claramente a forma como me trata. Isso, para mim, dói. Parece que preciso provar que posso usufruir dos mesmos direitos dos demais.”
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